Uma das definições da palavra “cura” é “recuperação da saúde”. Todos os dias ocorre espontaneamente no nosso corpo “pequenas curas” levadas a cabo pelas células do sistema imunológico, que nos defendem contra agressores externos.
O HPV (Vírus do Papiloma Humano) é um desses agressores, causador de uma das infeções de transmissão sexual mais comuns. Atualmente é considerado o 2º carcinogéneo (consegue estragar as células até se transformarem em cancro) mais importante, logo a seguir ao tabaco, e está associado a 5% dos cancros no geral e a 10% daqueles na mulher. No colo do útero é observado em 100% dos casos, mas também contribui para cancros em vários outros órgãos como o pénis (47%), ânus (84%), vulva (40%), vagina (70%) e cabeça/pescoço (70%, nos países desenvolvidos).
Aproximadamente 80% dos indivíduos adquirem a infeção em alguma altura da vida, mas a maioria resolve espontaneamente (≈90%) ao fim de 1 a 2 anos. Porém, quando o sistema imunitário da pessoa não tem força para eliminá-lo este permanece inativado (“adormecido”), reativando (“acordando”) quando as defesas se encontram mais frágeis. Neste período, que pode levar anos, a infeção às vezes progride para doença pré-maligna e, numa menor percentagem, para maligna. Geralmente não dá sintomas até estadios muito avançados da doença.
Alguns fatores aumentam o risco de infeção persistente e a progressão para cancro, destacando-se: o serotipo do vírus, tabagismo (aumenta 3-4x o risco), doença ou medicação que suprima o sistema imune, início precoce da atividade sexual, múltiplos parceiros sexuais (apesar de bastar ter tido apenas um único parceiro durante toda a vida – independentemente da orientação sexual ou do período de tempo de inatividade sexual – para se poder estar infetado), fatores de variação genética, etc.
Não existe nenhum remédio que mate imediatamente o vírus. Todavia, está disponível uma vacina. A sua administração é gratuita às meninas (desde 2008) e aos meninos (desde 2020) através do Programa Nacional de Vacinação pelos 10 anos, podendo, contudo, serem adquiridas na farmácia pelos restantes grupos etários. Inicialmente, pensava-se que só seria útil para quem ainda não tivesse começado a atividade sexual, no entanto, agora sabe-se que não existe limite de idade para tomá-la.
Para descobrirmos as mulheres em risco precisamos de fazer um teste de Papanicolau com pesquisa do HPV de alto risco. Naquelas que também já apresentem “estragos”, lesão de alto grau ou cancro, será necessário ainda realizar uma cirurgia. Ademais, não se pode relaxar, visto que a cirurgia em si não consegue remover o vírus, apenas a lesão provocada por este, ficando a eliminação do mesmo a cargo do sistema imune (podendo a vacina reduzir em mais de 80% o risco de recidivas).
De salientar que mesmo as mulheres vacinadas, as pertencentes ao grupo etário de mais de 65 anos (que já não são elegíveis para programas de rastreio organizados) ou aquelas já submetidas a histerectomia (remoção do útero) com história de infeção prévia por HPV, devem manter a vigilância/rastreio regular com teste Papanicolau.
No passado dia 4 de março comemorou-se o Dia Internacional de Consciencialização sobre o HPV, assinalado pela primeira vez em 2018, com vista à consciencialização de todos para a importância deste tema. Ouvimos muitas vezes que a cura está dentro de nós, mas quando esta não ocorre de forma espontânea precisamos de erguermo-nos e sermos heróis da nossa própria história e elementos ativos no processo de cura.