Atualmente, a gravidez é cada vez menos frequente e surge mais tarde na vida da mulher, sendo muito planeada e resultado de um grande investimento do casal.

Os avanços da medicina permitem um diagnóstico cada vez mais precoce com a ilusão de que a gravidez será sempre saudável e sem intercorrências. Porém as estatísticas demonstram a fragilidade deste processo, pois cerca de 10% terminam em abortamento e 22% das fecundações não têm continuidade. A perda gestacional pode ocorrer em qualquer idade embora seja mais frequente em mulheres com idade tardia.

As perdas gestacionais são pouco valorizadas socialmente, em particular quando ocorrem precocemente. Em consequência da reduzida presença de sinais que evidenciem a gravidez e dos tabus que envolvem estes acontecimentos, os pais nem sempre sentem que a sua dor e os seus sentimentos são reconhecidos e sofrem em silencio. A ausência de rituais fúnebres ou simbólicos, a falta de alguém com quem partilhar a experiência podem dificultar o processo de luto. 

Nos casos em que numa gravidez aparentemente saudável, os pais são confrontados com o diagnóstico de malformações fetais graves, a necessidade de decidirem quanto à continuidade da gravidez, coloca-lhes um dos dilemas mais difíceis da sua vida: o pouco tempo para reflexão, as dúvidas e os sentimentos de culpa associados ao diagnóstico, tornam esta decisão uma das mais traumáticas.  

Por sua vez, as perdas tardias carregam o peso de uma barriga saliente, das imagens ecográficas, de sensações únicas, da fantasia do bebé ideal e da sua relação com ele e a preparação para o seu acolhimento. A interrupção deste processo implica a reorganização da vida e projetos, uma nova visão do corpo materno, do seu papel na sociedade, da relação familiar e conjugal.

Nesta fase, os rituais fúnebres são particularmente dolorosos: o berço é deixado vazio e os colos também. Sentimentos intensos sobrevêm: choque, raiva, negação, incredulidade e, nalguns casos, podem surgir ansiedade e sintomas depressivos. As dúvidas assolam a mente da mulher, na busca de justificação muitas vezes inexistente, e mais nenhuma gravidez será vivida na sua plenitude, com segurança e sem medos. 

As perdas gestacionais representam a suspensão dos sonhos, esperanças e expetativas que normalmente se associam ao nascimento de um filho. Cada casal vive o processo de perda de modo único. Para muitos significa um insucesso pessoal, a perda de um projeto de vida, uma prova da incapacidade para a paternidade/ maternidade. O modo distinto como homens e mulheres vivem o luto pode causar dificuldades na comunicação do casal com repercussões na relação conjugal. 

A criação de memórias pode facilitar a adaptação à nova realidade: guardar as ecografias, um pouco do cabelo, uma pulseira de identificação ou até mesmo uma fotografia. Ver, tocar e embalar o seu bebé podem ser fundamentais para integrar a experiência e despedir-se do seu filho.  

As Enfermeiras Especialistas em Saúde Materna e Obstétrica, são um importante suporte desde o momento da notícia, proporcionando informação objetiva e concreta, explicações acerca dos procedimentos, disponibilidade e abertura para escutar ativamente, valorizando os sentimentos expressos, satisfazendo as necessidades especificas do casal. 

Encorajar a comunicação e a expressão de sentimentos, encaminhar para grupos de apoio e de partilha de experiências, promover estratégias para um luto saudável, são tarefas indispensáveis para que o casal encontre as respostas ás perguntas que preenchem um colo vazio e encontrem novos significados nas suas vidas. 

Ana Rute Furtado

Enfermeira Especialista em Saúde Materna e Obstetrícia do Hospital de Braga

Mónica Carvalho

Enfermeira Especialista em Saúde Materna e Obstetrícia do Hospital de Braga